Em tempo idos – Lá pelos anos mil e oitocentos e alguma coisa, não sei bem – mas, podem ter certeza, estou bem informado, que lá pelas plagas de Campo Largo, era a rota dos tropeiros com suas mulas, gado e quinquilharia, com destino a Sorocaba. Cavalos cansados, cavaleiros exaustos, com suas cabeças sujas, ensebadas, enterradas em enormes chapéus em feltro cinza, famintos e estropiados, procuravam e paravam, para o descanso da tropa, e dos muares também, num lugarejo chamado Armazém do Chumbo na esquina da bigorna em Campo Largo.
A família Spack tinha se estabelecido ali há muito tempo.
Os tropeiros, por ali, cessavam de cavalgar exatamente para acertar as ferraduras de seus animais, vender mercadorias e comprar munição para suas armas afim de se proteger dos assaltos que pelas estradas eram constantes.
Amadeu, homem da lida, e visão futura, começou sua Ferraria, bem ali na passagem obrigatória dos tropeiros, onde forjava as cintas das rodas dos carretões, e preparava colocando as ferraduras nos cavalos; e ali na frente, como não existia nada igual pelas cercanias, abriu o armazém que sua esposa Maria de Lourdes cuidava.
O armazém era bem simples. Nas prateleiras podia-se ver pão caseiro, algumas latas de sardinha, vinho tinto e carne seca. A um canto, sobre um estrado três sacos contendo em cada qual arroz, feijão e açúcar mascavo. No balcão a balança enferrujada descansava com dois pratos em equilíbrio, e atentos e quietos seus pesos alinhados logo ao lado dela.
Desde as plagas gaúchas, quem conduzia uma tropa sabia da existência deste local, de parada obrigatória, para o descanso dos muares no curral, bem como para a compra de pólvora, chumbo e munições.
– Onde posso deixar minhas mulas para o pernoite? Batendo palmas no portão, sem apear e gritando mais que os latidos da cachorrada vadia, perguntava o tropeiro ao vivente daquela casa.
– Duas léguas daqui, no armazém do chumbo na esquina da bigorna. Apontando com o dedo, a generosa alma dava a direção.
Então, lá ia a fatigada tropa deixando estrume na estrada e poeira no ar.
E o tempo passou e com o passar dele foram se apagando, aos poucos as coisas do passado; Os tropeiros conduzindo seus muares já nem na lembrança cabe mais; A ferraria fechou, a forja se decompôs, e a bigorna foi transferida para a entrada do armazém.
As tropas com tanta frequência por ali não passavam mais. E o armazém aos poucos foi se transformando, se adaptando, se modernizando; transformou-se em taberna primeiro, e por fim, num agradável bar, mas sem perder jamais o apelido antigo de chumbo.
Hoje, se você quer um local gostoso para abastecer as destemperança do dia, sentir ainda no ar o ruído saudoso de tropa chegando, é só se abeirar para Campo Largo e ao primeiro transeunte perguntar:
– Onde fica o bar chumbo?
E a alma generosa, apontando com o dedo vai logo dizendo:
– Fica logo ali na esquina da bigorna.